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Rir e Comer Bolachas

É o que é, uma merda!

Há uns tempos perguntavam-me porque não escrevia no blog acerca da minha depressão, já que podia ajudar alguém que possa estar a passar pelo mesmo. Não me fez sentido porque tristezas não pagam dívidas e ninguém quer ouvir mais desgraças e problemas, já bastam os seus e a vida de todos os dias. Eu, no lugar de quem possa estar a ler, preferia não ler acerca do assunto. Mas isso sou eu e, felizmente, não somos todos iguais.

Não gosto particularmente do tema, desde sempre que evito falar desta doença e só quem me conhece bem, ou me acompanha há muito tempo, sabe da luta que tem sido. Tenho vergonha, admito. É como falar de uma fraqueza, e ninguém gosta de se sentir fraca ou diminuído. A depressão já faz isso muito bem.

Perguntei "Mas vou dizer o quê? Nem sequer é uma história de sucesso, de alguém que venceu a doença...", "Dizes como tem sido, para que alguém saiba que não está sozinho". Tem sido uma merda. Pelo menos, no último mês, consequência de ter deixado a medicação em julho, porque estava a fazer terapia e sentia-me muito bem. Achei que podia. Não posso. Não para já, ou não desta forma, ou talvez não, de todo. De maneira que sim, é uma merda. É viver em constante ansiedade t.o.d.o o dia, é pensar na morte assim que me dói o peito (e tem doído dado o estado de ansiedade), é ter medo de voltar aos ataques de pânico (sim, também voltaram), é não viver tranquila nem desfrutar de nada que a vida oferece, é sentir-me pequena e incapaz, é achar que o mundo inteiro depende de mim e não vou conseguir corresponder, é sentir a solidão até aos ossos, mesmo com companhia, é querer dormir só para parar um bocadinho a minha mente.

De novo, e porque não há mais nenhuma palavra que a defina tão bem: é uma merda.

 

Um post que adivinho ser longo

Tenho andado arredada da escrita no blog. Não é que tenha pouco para dizer, pelo contrário, a minha vida tem pouco glamour mas é rica em drama... É que não sei como escreva. Nem decidi ainda se quero escrever porque a escrita é como uma racionalização dos pensamentos, é como se os ordenasse, se lhes desse corpo e, por consequência, um destino. Se por um lado é bom, por outro obriga-me a confrontar com os meus próprios pensamentos. Realmente vê-los.

 

Há quatro anos, sensivelmente, foi-me diagnosticada uma depressão. Não pelos sintomas comuns à depressão mas porque um dia a minha mente fez tilt e tive um ataque de pânico que me fez fugir do local de trabalho, lavada em lágrimas, a dizer que tinha enlouquecido. Não sabia do que tinha medo, ou se era medo, só sabia que tinha que sair dali. O coração disparou, tremia tanto que não ficava de pé e o pé nem conseguia pisar o acelerador do carro com força suficiente para que andasse. Pensei, mesmo, que tinha enlouquecido. Achava eu que aquilo tinha acontecido de repente mas agora sei que não. Uns meses antes comecei a sentir taquicardia, dificuldade em respirar, vontade de chorar sem motivo que o justificasse, tensão arterial alta, enfim, estava convencida que tinha um problema cardíaco. Ou renal. Mas exames mostravam o contrário, estava sã que nem um pêro embora tivesse dias a sentir-me o pior ser vivo à face da terra. Depois tinha outros em que tudo corria de feição e esquecia-me. Tornei-me especialista em esconder isto de toda a gente. Não me perguntem a razão porque não sei. E deixei andar, até chegar a um ponto em que o próprio corpo (e mente) obrigaram-me a parar.

Seguiu-se o normal. Médico, medicamentos, psiquiatra e semanas a dormir. Não distinguia dias da semana, dormia dias e noites inteiras, andava apática. Vivia há poucos meses com o meu marido e sei que para ele foi difícil, vivia com um zombie, eu não era uma sombra da mulher de quem ele gostava, eu era outra pessoa. Mesmo para o resto da família, que não vive comigo, foi complicado porque sentiam-se impotentes. Acho que é o que mais custa a quem está à volta, o não poder fazer nada, não saber o que dizer, como lidar.

 

Isto para dizer que era escusado chegar ao ponto que cheguei se tivesse identificado os sintomas. Nem os médicos diagnosticaram coisa alguma porque escondia, ou negligenciava, o que sentia. No fundo tinha vergonha... Tanta gente com problemas a sério e eu, que tinha acabado de endireitar  (mais ou menos) a minha vida estava assim. A minha vida era catita. Não tinha porque me sentir assim. Sempre acreditei que depressões era coisa de gente desocupada e fútil. Gente fraquinha da cabeça. E eu não era nenhuma delas.

 

Custou muito a melhorar. Tive dias em que chorava por achar que não voltaria a ver a luz ao fundo do túnel. Desenvolvi vários medos, que me acompanham ainda, embora em menor escala. Houve um dia que nem sequer queria entrar para a banheira - tinha medo. De quê? Não faço ideia. Mas melhorei. Tenho medo de dizer que me curei embora já não esteja medicada. Tenho medo porque tenho muito, muito presente aquilo que sofri. E sei que uma parte de mim não é recuperável. Que algumas coisas não serão iguais e terei sempre que vencer medos, e barreiras, e obstáculos como uma reunião de pais é um verdadeira tormento. A que me obrigo a ir para não alimentar este medo, irracional, de alguma coisa que não sei o que é, e que nem deve existir.

 

Se está aí alguém que já sentiu algo parecido: falem com alguém. Um médico, um amigo, qualquer pessoa, mas façam alguma coisa. Não esperem que passe por si, que são manias, fanicos de gente desocupada e infeliz. É uma doença e trata-se. E cura-se.

Da depressão

Acho que já trago bagagem suficiente para dizer duas ou três coisas acerca desta doença, apesar de não ser especialista. Eu própria descubro coisas acerca dela, ou de mim, de vez em quando.

 

- É uma doença. Parece simples, e redundante, mas não é. A maioria das pessoas continua a pensar que é um chilique. Não é, é uma doença e tem sintomas, muitos deles fisícos, alguns doem. É uma doença que acompanha que a tem, ou quem a teve, para o resto da vida porque deixa mezelas, deixa marcas e passa a fazer parte da nossa vida, da nossa história. Até pode ser como uma cicatriz, indolor e inofensiva, mas está lá.

 

- É necessária força de vontade para combatê-la mas não basta querer para melhorar, ou para superar de vez. É necessária ajuda profissional. No meu caso, de psiquiatria porque com psicologia não ia lá. Não me interessa saber o que provocou, o que aconteceu, o que motivou, interessa-me tratar os sintomas, aprender a viver com eles e sentir-me uma pessoa.

 

- Uma pessoa triste e desmotivada pode não sofrer de depressão, talvez esteja apenas triste e desmotivada e não doente, talvez esteja a viver um período conturbado. Toda a gente tem períodos de tristeza, faz parte da vida, tanto quanto ultrapassar esse período.

 

E é isto. Não é uma fraqueza, não é um chilique, não é por falta de vontade, nem de inteligencia, que existe. Não vai lá com raspanetes, nem com um jantar à luz de velas, ou um dia intensivo de compras com as amigas. Não se pode meter um penso rápido e dizer que já passa.

...

Há quatro anos perdi o chão, o meu tino. Não totalmente mas o suficiente para não querer sair de casa, chorar compulsivamente, ter medo de conduzir, de andar sozinha na rua, de ir ao supermercado. Senti que tinha enlouquecido. Embora a lucidez fosse suficiente para perceber o ridículo daquilo tudo, o medo paralisava-me e levava-me ao desespero. Não era medo, era pânico, mas de quê ao certo? Basicamente, de tudo.

Como acreditei que pessoas "normais" não têm depressões, isso era uma invenção de quem não tinha que fazer ao tempo livre e ao dinheiro, deixei a situação arrastar-se até o Tico e o Teco irem de férias prolongadas. Seguiu-se baixa, dias e dias a dormir sem ter noção das horas e/ou dias da semana, a fase intermédia entre o totalmente drogada e o estado mais parecido comigo possível. Dormia muito. Sentia-me muito culpada porque sempre senti que não tinha problemas que justificassem aqueles achaques, porque há pessoas com problemas gravíssimos e aguentam, e eu tinha e tenho um suporte familiar muito grande, a minha rede de segurança, e como tal não deveria sentir-me assim. Era frágil. Tonta. E tinha um filho que dependia de mim e não podia fraquejar, e fraquejei.

Vieram dias melhores, médicos diferentes, uma experiência falhada com uma psicóloga, voltei a trabalhar meses depois (um ou dois, não me lembro) e a vida foi-se levando, uns dias melhor, outros pior, tal como como a vida sem depressão ou sem medicamentos. Hoje tive ordem para parar a medicação. Tenho vindo a reduzir gradualmente e hoje foi o dia da libertação.

Ainda é cedo para deitar foguetes mas quer-me parecer que é mais uma etapa que ficou para trás.

Done.