Isto aqui está mais parado que o sistema informático das Finanças no fim do mês
Em compensação, eu não paro. Tem sido trabalho, trabalho e mais trabalho. Saio do trabalho e vou para casa dos meus pais para ajudar qualquer coisa, pouco ou nada ajudo mas o facto de estar presente faz-me sentir que estou a contribuir para aliviar um bocadinho o trabalho da minha mãe. O AVC que o meu pai sofreu veio meter tudo em perspetiva, não só aquela perspetiva boa em que damos graças por estarmos vivos e com saúde, mas aquela perspetiva chata de como é tudo tão relativo.
Por exemplo, tenho falado mais agora com o meu pai, e ele comigo, do que em 35 anos de existência. Ele nunca foi homem de palavras, eu sempre procurei a minha mãe para tudo e assim funcionámos durante toda uma vida.
Outro exemplo ainda, a minha mãe, que achava que queria fazer voluntariado e ter a seu cargo pessoas idosas, está a enlouquecer com a privação de sono (é preciso mudá-lo de posição várias vezes por noite e ajudar a fazer xixi) e com o chamamento do nome dela de 5 em 5 minutos.
Mais um exemplo, a minha irmã, que trabalha conta própria e não tem tempo para ir ao médico porque não vai fechar a porta, há 3 ou 4 semanas que fecha a porta, todos os dias úteis, para ir ao hospital ou ao médico, ou à fisioterapia, ou ao centro de saúde, ou a todos no mesmo dia.
Podia continuar com os exemplos mas é mais simples dizer que todos fomos, e somos, afetados. E fazemo-lo com gosto, mas com sacrifício. Tentamos fazer um ar natural, de que não custa nada, que temos tempo, que é tudo temporário e sorrimos e tal, mas a verdade é que é difícil. Para ele principalmente, que se há-de sentir impotente perante a sua condição de dependente. Porque continua a ser a mesma pessoa mas o corpo já não obedece. Para a minha mãe, que mal pode com ela e não tem mãos a medir, nem um bocadinho sequer para descansar, e muito menos para dormir um sono tranquilo. Para nós, os filhos, com saúde e energia para dar e vender mas que não a podemos utilizar para nada que os ajude porque trabalhamos que nem ursos e já lá chegamos estourados (e tarde), e que andamos como se nos movêssemos sobre um terreno de minas, porque temos medo de o melindrar ou magoar, ou pior ainda, de dizer qualquer coisa que a nossa mãe vá entender como uma afronta, ou uma crítica (que é basicamente qualquer coisa que possamos dizer). Quase não temos vida própria e, na realidade, nada fazemos.
E a preocupação com a preocupação? Sim, também temos isso. Nós preocupamo-nos porque os outros estão preocupados. Em loop, como maluquinhos.
Às vezes, esta enorme rede de segurança que é a família é tramada de gerir.