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Rir e Comer Bolachas

A burra que há em mim

Lembro-me de, na passagem de ano de 2004/2005, ter pensado que no ano seguinte é que seria. No ano seguinte, algumas coisas melhoraram, outras pioraram e a sucessão de anos até à data presente foi uma montanha russa. Nada de hábitos muito duradouros, só rotinas pequeninas. De ano para ano penso sempre que o seguinte é que será "o" ano. Hoje dou por mim a perguntar-me será que já foi e não dei por isso? Será que não apreciei, devidamente, cada ano e vem daí esta insatisfação? Será que sou demasiado exigente e quero coisas que não posso ter, ou sequer existem? Ou, existindo, não são para mim? Nenhum ano teve apenas coisas más, muitas coisas boas foram acontecendo pontualmente mas a balança parece pender para o mau. Será que os anos que passaram não foram assim tão mauzinhos? Será que, afinal, o que foi acontecendo de bom é o que de melhor vou ter? Que não há mais para melhorar? Eu não quero pensar por esta perspectiva mas não consigo evitar sentir-me uma burra atrás da cenoura. Uma burra cansada e aborrecida. Será o preço a pagar por ser optimista?

TPF

Há a TPM (verdade, verdadinha) e depois há a (cabra da) TPF - Tensão Pré- Férias. Começo a manhã entusiasmada porque estou a horas de ir de férias mas, à medida que as horas avançam (e muitas vezes o trabalho recua) aparece a ( p***) da TPF. Tenho os ombros tensos, respiro fundo de cinco em cinco minutos e tenho post-its em tudo quanto é papel. E não vejo o tampo da secretária. Aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaai. Sempre me enchi de brio e nunca fui de férias com coisas pendentes mas parece-me que este ano vou fazer uma estreia...

 

"E andas aqui a fazer o quê em vez de estares a adiantar serviço?" A comer. Óbvio. Estou na pausa para lanche (um direito que se adquire quando se sai horas depois do devido).

 

Acho que estou a ficar velha. Férias perfeitas, perfeitas, seriam umas em que pudesse dormir e comer sem ter a noção das horas, só quando me apetecesse. E sem preocupações de qualquer espécie. Quais Phuket ou Phi Phi, qualquer espreguiçadeira serve.

Isto aqui está mais parado que o sistema informático das Finanças no fim do mês

Em compensação, eu não paro. Tem sido trabalho, trabalho e mais trabalho. Saio do trabalho e vou para casa dos meus pais para ajudar qualquer coisa, pouco ou nada ajudo mas o facto de estar presente faz-me sentir que estou a contribuir para aliviar um bocadinho o trabalho da minha mãe. O AVC que o meu pai sofreu veio meter tudo em perspetiva, não só aquela perspetiva boa em que damos graças por estarmos vivos e com saúde, mas aquela perspetiva chata de como é tudo tão relativo.

Por exemplo, tenho falado mais agora com o meu pai, e ele comigo, do que em 35 anos de existência. Ele nunca foi homem de palavras, eu sempre procurei a minha mãe para tudo e assim funcionámos durante toda uma vida.

Outro exemplo ainda, a minha mãe, que achava que queria fazer voluntariado e ter a seu cargo pessoas idosas, está a enlouquecer com a privação de sono (é preciso mudá-lo de posição várias vezes por noite e ajudar a fazer xixi) e com o chamamento do nome dela de 5 em 5 minutos.

Mais um exemplo, a minha irmã, que trabalha conta própria e não tem tempo para ir ao médico porque não vai fechar a porta, há 3 ou 4 semanas que fecha a porta, todos os dias úteis, para ir ao hospital ou ao médico, ou à fisioterapia, ou ao centro de saúde, ou a todos no mesmo dia.

 

Podia continuar com os exemplos mas é mais simples dizer que todos fomos, e somos, afetados. E fazemo-lo com gosto, mas com sacrifício. Tentamos fazer um ar natural, de que não custa nada, que temos tempo, que é tudo temporário e sorrimos e tal, mas a verdade é que é difícil. Para ele principalmente, que se há-de sentir impotente perante a sua condição de dependente. Porque continua a ser a mesma pessoa mas o corpo já não obedece. Para a minha mãe, que mal pode com ela e não tem mãos a medir, nem um bocadinho sequer para descansar, e muito menos para dormir um sono tranquilo. Para nós, os filhos, com saúde e energia para dar e vender mas que não a podemos utilizar para nada que os ajude porque trabalhamos que nem ursos e já lá chegamos estourados (e tarde), e que andamos como se nos movêssemos sobre um terreno de minas, porque temos medo de o melindrar ou magoar, ou pior ainda, de dizer qualquer coisa que a nossa mãe vá entender como uma afronta, ou uma crítica (que é basicamente qualquer coisa que possamos dizer). Quase não temos vida própria e, na realidade, nada fazemos.

E a preocupação com a preocupação? Sim, também temos isso. Nós preocupamo-nos porque os outros estão preocupados. Em loop, como maluquinhos.

Às vezes, esta enorme rede de segurança que é a família é tramada de gerir.